This website uses cookies so that we can provide you with the best user experience possible. Cookie information is stored in your browser and performs functions such as recognising you when you return to our website and helping our team to understand which sections of the website you find most interesting and useful.
Desafios e caminhos da articulação entre governo e negócios de impacto
Diante da escassez de recursos com os quais os governos podem contar no atual cenário político e econômico, sobretudo na esfera municipal, o financiamento de soluções inovadoras de problemas sociais pode depender cada vez mais de investidores que buscam impacto socioambiental e de empresas criadas para resolver problemas sociais. É o caminho fértil que as finanças sociais começam a desbravar, estimulando que recursos públicos e privados possam co-investir na implementação de novos modelos de negócios sustentáveis que resolvam problemas sociais.
Essas foram as principais questões debatidas por especialistas na sessão Governo e Negócios de Impacto, realizada durante o Fórum de Finanças Sociais e Negócios de Impacto – Investir para Transformar, que aconteceu em São Paulo (SP), nos dias 3 e 4 de agosto, promovido pelo Instituto de Cidadania Empresarial (ICE) e pela Vox Capital. Ao final da sessão, os participantes testemunharam a assinatura do Acordo de Cooperação Técnica entre o Governo Federal, através do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) e a Força Tarefa de Finanças Sociais, uma iniciativa animadora e pioneira para o campo de finanças sociais e negócios de impacto (ver texto ao final).
Ao reunir empreendedores que atuam na esfera da gestão pública, articuladores e representantes do governo federal, o evento provocou uma reflexão sobre a necessidade de disseminar conhecimento sobre negócios de impacto social para gestores públicos, de capacitar pessoas e de conectar recursos e investidores.
O governo é sem dúvida um dos atores mais relevantes para este movimento ter escala e gerar mudança sistêmica neste campo. O governo pode assumir papéis relevantes para o fortalecimento do campo das finanças sociais e negócios de impacto no Brasil, como fomentador, regulador e comprador de produtos e serviços provenientes desse segmento, mas ainda há desafios que devem ser vencidos para viabilizar o pleno desenvolvimento dessa parceria.
O painel reuniu José Mario Brasiliense, presidente da Oficina Municipal (OM), instituição que realiza atividades de formação e capacitação técnica voltadas às pessoas que se dedicam à gestão de políticas públicas municipais; Marcos Siqueira, sócio da Radar PPP, empresa que desenvolve capacidades e habilidades para interpretar o mercado nacional de infraestrutura; Marcos Vinícius de Souza, secretário de Inovação do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC); Gustavo Maia, sócio-fundador da Colab.re, plataforma de gestão colaborativa com foco em melhorias nas cidades; e Heloisa Montes, sócia-líder de Strategy, Brand & Marketing da Deloitte, que foi a moderadora da mesa.
As compras governamentais de negócios de impacto oferecem oportunidades reais de eficiência e escala para o desenvolvimento da relação entre governos e este campo. Para a Oficina Municipal, os desafios são grandes e passam pelas limitações do agente público municipal, carente de formação sobre este novo campo e enfrentando desafios de inovar em momentos de alto rigor e fiscalização; e pela lei das licitações, que ignora a motivação social e ambiental, e se prende a critérios de menor preço, o que restringe a qualidade.
José Mario Brasiliense defende o aperfeiçoamento das normas que regulam as modalidades de contratação. “Um Consórcio Público Intermunicipal pode realizar o processo licitatório envolvendo negócios de impacto voltados à prestação de serviços ou oferta de bens de interesse para uma região. Os valores para dispensa de licitação em consórcios públicos dobram em relação aos aplicados ao município isoladamente e a economicidade é um argumento favorável frente aos tribunais de contas”, afirma. Um exemplo bem-sucedido dessa modalidade é o Consórcio Intermunicipal Vale Paranapanema, CIVAP, que reúne a OM e Fundação Itaú Social no Programa Melhoria da Educação no Município.
“É fundamental formar gestores e fornecedores para superar o ‘direcionamento de licitações’ e os ‘focos de corrupção’, visando a consciência cívica do gestor e razão social da empresa. Criar uma massa crítica de gestão pública em relação a negócios de impacto e divulgar o ecossistema de negócios de impacto para os municípios. Quem faz política social é o estado e o município”, afirmou Brasiliense.
Na sequência, Marcos Siqueira (Radar PPP), destacou que o Brasil tem vivido um crescimento muito rápido em projetos de infraestrutura social e econômica no formato de parceria público- privada. “A grande sacada destes projetos é que uma grande parte da receita está relacionada a alguma métrica de performance e isso é muito positivo. Acreditamos que em 2016 teremos cerca de R$ 12 bilhões de investimento privado no Brasil, que serão remunerados por impacto. O desafio é criar condições para o amadurecimento das finanças sociais”, diz Siqueira.
Na avaliação de Marcos Vinícius de Souza, secretário de Inovação do MDIC, o governo federal não conhece o tema Negócios de Impacto Social e é pouco aberto a questões de inovação e tecnologia. “O gestor público tem medo dos órgãos de controle e aversão ao risco. Também não tem conhecimento e capacitação para lidar com esse novo modelo de negócio. Para piorar, falta planejamento, continuidade dos programas e avaliação que produza evidências. A questão fundamental é como a gente faz para trazer este assunto para o governo? Tem de identificar pontos de luz, pessoas que pensam diferente e fazer esta constelação acontecer”, sugere.
Mas também há mudanças animadoras. Desde abril, quando o secretário de Inovação participou de almoço promovido pela Força Tarefa de Finanças Sociais e esse evento gerou a articulação entre uma série de iniciativas que já vinham sendo desenvolvidas por diferentes órgãos do governo, como por exemplo, a inclusão da temática de negócios de impacto em um programa de apoio a startups e cursos de capacitação; a apresentação da agenda de negócios de impacto a um grupo focado em inovação no governo; e o início da negociação com a Caixa para compras governamentais dirigidas a negócios sociais, além de um fundo de desenvolvimento, um sistema de proteção ao investidor e regulação especial para investimento-anjo. “Estamos empenhados a superar as dificuldades e a desenvolver mecanismos para conectar recursos da esfera do governo com os de investidores”, disse.
A visão do empreendedor Gustavo Maia, da Colab.re, que negocia com governos municipais, é bastante positiva. Criada em 2013, o Colab.re consiste em uma plataforma digital e aplicativos nas versões Android e iOS, que estão à disposição dos cidadãos para ajudá-los a fiscalizar, propor melhorias e avaliar a qualidade dos serviços e instituições públicas. Conta com mais de 150 mil usuários conectados a 100 prefeituras, entre elas Recife (PE), Niterói (RJ), Santo André (SP) e Campinas (SP). As demandas são encaminhadas ao órgão responsável. As situações mais comuns são estacionamentos irregulares, limpeza pública, entulhos em calçadas e iluminação deficiente.
A iniciativa foi eleita pela New Cities Foundation como melhor aplicativo urbano do mundo e recebeu aporte de um fundo de capital voltado a negócios digitais. “É uma rede social para a cidadania que ajuda a aperfeiçoar o relacionamento com os governos e promove o engajamento e as boas práticas de atendimento”, explica Gustavo.
Força Tarefa de Finanças Sociais e MDIC firmam Acordo de Cooperação Técnica
A sessão Governo e Negócios de Impacto foi encerrada com um marco para o campo das Finanças Sociais e Negócios de Impacto. Os participantes foram testemunhas da assinatura do Acordo de Cooperação Técnica entre o Governo Federal, através do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) e a Força Tarefa de Finanças Sociais, representada por sua Diretoria Executiva, formada pelo Instituto de Cidadania Empresarial (ICE) e pela SITAWI Finanças do Bem.
O objetivo do acordo é o desenvolvimento de ações conjuntas para promover as Finanças Sociais no Brasil, a ampliação dos Negócios de Impacto e o fortalecimento do ecossistema das Finanças Sociais. O texto representa a formalização de uma interface com o governo federal para alinhar e desenvolver políticas públicas para o avanço do campo de Negócios de Impacto, uma das recomendações prioritárias lançadas pela Força Tarefa de Finanças Sociais, em novembro de 2015.
O documento foi firmado por Marcos Vinícius de Souza, do MDIC, e Leonardo Letelier e Celia Cruz, da Força Tarefa de Finanças Sociais.
O potencial dos Títulos de Impacto Social
Mecanismo financeiro que permite a colaboração entre governo, investidores, ONGs e outras entidades privadas para a implementação de soluções inovadoras e escaláveis de problemas sociais, os Títulos de Impacto Social (Social Impact Bonds) têm sido utilizados com sucesso nos Estados Unidos, no Reino Unido e outros países europeus, e também já começam a ser lançados no Brasil.
Um exemplo é o termo de cooperação técnica assinado recentemente entre a SITAWI Finanças do Bem e o governo do Ceará para o desenvolvimento do primeiro Título de Impacto Social do país, que vai financiar projeto criado com o objetivo de reduzir a internação de pacientes crônicos em hospitais. A ideia é que eles sejam atendidos parte do tempo em casa, onde se sentem mais confortáveis, e que o custo dessa solução seja menor em relação ao que o estado gastaria para realizar o projeto diretamente.
O tema foi discutido em sessão do Fórum de Finanças Sociais e Negócios de Impacto moderada por Henrique Martins, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), com a participação de Henrique Javi, secretário da Saúde do Ceará; José Geraldo Setter Filho, do Insper; Karla Bertocco Trindade, subsecretária de Parcerias e Inovação da Secretaria de Governo do Estado de São Paulo,Vera Monteiro do Sundfel Advogados; e Leonardo Letelier, da SITAWI, diretoria-executiva da Força Tarefa de Finanças Sociais.
Uma das principais vantagens dos Títulos de Impacto Social é que esse mecanismo permite a redução de gastos para as instituições públicas responsáveis pela solução de problemas sociais, tendo em vista que os recursos são fornecidos por investidores privados e remunerados de acordo com os resultados obtidos. . Além disso, permite que inovações sejam testadas a um custo reduzido para o governo, antes de serem adotadas ou rejeitadas como políticas públicas.
A falta de uma legislação no Brasil para esses tipo de contrato limita a utilização desse mecanismo financeiro. Mesmo assim, ele já começa a ser usado para financiar projetos nas áreas de educação e saúde nos estados de São Paulo (Insper e Governo do Estado) e do Ceará. Essas duas áreas foram escolhidas em razão da facilidade de avaliação e metrificação dos resultados e pelo fato de os investidores terem maior interesse em contribuir para a geração de impacto social positivo nesses setores.
A Força Tarefa de Finanças Sociais, em sua Recomendação número 14, pede ao governo federal que apoie o desenvolvimento de um mercado de Títulos de Impacto Social no Brasil e incentive governos estaduais e municipais a fazerem uso dessa ferramenta para maior eficiência na alocação de recursos para intervenções sociais.