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Inovação social avança no mundo, mas ainda falta escala
Para fazer um balanço dos resultados obtidos nos últimos dez anos e discutir o que mais pode ser alcançado nos próximos dez, a SIX – Social Innovation Exchange realizou em fevereiro o SIX Wayfinder, evento global de dois dias sobre inovação social que reuniu 160 líderes de 34 países em Londres, Inglaterra. A principal tarefa desse grupo foi mapear, por meio de um processo colaborativo, o caminho para os próximos anos.
Segundo os organizadores, a inovação social para resolver problemas sociais obteve resultados muito expressivos na última década, mas em comparação com a escala dos desafios sociais existentes no mundo esse sucesso parece marginal. Ainda não há exemplos suficientes de inovação social capazes de criar mudanças sistêmicas profundas em grande escala. Apenas pequenas frações do investimento privado e do gasto público contribuem para a inovação social e a escala das instituições de inovação social é reduzida, em comparação com seus equivalentes em tecnologia, na área militar ou na medicina.
O Brasil foi representado na reunião por Célia Cruz, diretora-executiva do Instituto de Cidadania Empresarial (ICE). Nesta entrevista ao ICE Notícias ela fala sobre alguns dos principais temas debatidos pelos participantes.
No encontro realizado pela SIX em setembro de 2016, no Canadá, a maioria dos participantes era de especialistas das principais fundações do mundo. Desta vez quem participou?
Os participantes da reunião de Londres representavam todos os atores do ecossistema de inovação social: fundações, governos, negócios, escolas, empreendedores, incubadoras, avaliadores, investidores. Para pensar a inovação social de forma sistêmica, para os próximos 10 anos, é necessário co-construir uma visão e projetos conjuntos com toda essa diversidade de atores. Vale observar que os organizadores do evento enfrentam o mesmo desafio que enfrentamos aqui no Brasil: a população de baixa renda, a que mais deseja e precisa da inovação social, nem sempre participa das discussões. São pessoas e comunidades que desejam a inovação social e até pagam por ela. Isso coloca um problema: como tomar cuidado para não assumir o lugar das pessoas mais diretamente afetadas por aquilo que desejam mudar ou melhorar. Em vez de tentar responder por estas pessoas, é preciso ver, ouvir, perguntar. Nesse sentido, a inovação social é um processo político. A reflexão que fica é se estamos, de fato, engajando os diferentes.
O que já foi alcançado no campo da inovação social e o que pode vir?
10 anos depois, avançamos na compreensão de que problemas sociais são sistêmicos e que a construção de processos de inovação social para resolvê-los tem que envolver diferentes atores que representem setores relacionados a estes problemas. Mudança sistêmica é um processo e não um fim. Nesse período o campo cresceu muito. Exemplos de inovação social que buscaram resolver problemas sistêmicos estão sendo estudados para entendermos os seus processos de co-construção. São exemplos, o movimento das escolas que já funcionam com modelos de aprendizagem sem escolas físicas, organizações e governos construindo uma agenda global para combater as mudanças climáticas e projetos da economia colaborativa.
No campo específico das finanças sociais e negócios de impacto, vimos surgir novas formas de financiamento de inovação social como os investimentos de impacto e a entrada de fundações nesse campo para experimentar novos mecanismos de financiamento. Há ainda empreendedores desta nova geração criando novos modelos de negócios, com formatos legais distintos, que encontraram nas inovações tecnológicas a janela de oportunidades para resolver problemas sociais com escala e impacto. Muitos países, governos, começam a se abrir para trabalhar com os negócios de impacto (as social enterprises ou social business) e trazem para esta parceria modelos inovadores, escaláveis e com indicadores de impacto.
Nos próximos anos precisamos intensificar estas co-construções de diferentes atores com olhar sistêmico que tenham e comprovem evidências de impacto. No passado, falávamos a que aquela ONG conseguiu que tantas crianças melhorassem suas notas na escola. Isso não basta mais. Subimos a barra das avaliações. Será preciso olhar para o impacto nas famílias, na sociedade e analisar as evidências para descobrir o que deve ser feito para gerar impacto em alta escala.
É uma abordagem mais ampla?
Isso mesmo. Por exemplo, eu posso dizer que dei microcrédito para 100 mulheres, porém preciso entender se isso de fato melhorou a qualidade de vida dessas mulheres, se seus filhos melhoraram seu aproveitamento escolar e, se hoje têm emprego, pelo fato delas terem montado empreendimentos em casa. Não basta dizer quantas mulheres receberam microcrédito e sim o impacto positivo no status quo desta família. Uma coisa que se discute é como usar o big data para essas avaliações.
Existe recursos para apoiar inovação social?
Alguns investidores, em especial fundações começaram a perceber que esta abordagem de inovação social para resolver problemas sistêmicos traz novos resultados e maior impacto. Mas como são processos longos, os investimentos são altos e há necessidade de capital paciente.
Se olharmos para a inovação social que os negócios de impacto estão trazendo, ainda vemos uma contradição: investidores dizem que não há negócios suficientes, enquanto empreendedores se queixam da falta de capital. Estamos no começo desta história. Ainda faltam regras, o fortalecimento das organizações intermediárias (institutos de pesquisa, avaliação, consultorias, incubadoras, entre outros.) para apoiar o crescimento do campo, além de mais participação do governo nesta área.
Conseguimos inovar, olhar para a inovação social, mas ainda falta escala. Precisamos de muito mais recursos para realizar essas mudanças em escala e de capital paciente com foco nas inovações e não no ego do financiador. É outro patamar de investimento. As fundações, em geral, dão dinheiro para você atuar em determinado ano, embora os processos inovadores exijam prazos de 20 ou 30 anos. Se os investimentos em venture capital são ainda considerados algo novo e de risco, imagine investimentos de venture capital em negócios de impacto (que no fundo é o que chamamos de investimento de impacto)?
Quais são as prioridades para os próximos dez anos?
Acredito que precisamos enfrentar grandes desafios e acreditar em processos de construção colaborativos que gerem visões compartilhadas sobre problemas a serem resolvidas . O foco não está nas organizações e sim na população que precisa de mais e melhores oportunidades. Temos necessidade de atingir esta população com qualidade e escala. Precisamos dar voz a elas e não falar por elas.
Também precisamos nos conectar com movimentos, ativismo e democracia, fazer o máximo possível com as ferramentas do mundo digital e do big data, para ir testando os modelos de inovação social. Ainda estamos aprendendo como aprofundar/ampliar essas competências.
Como preparar lideranças para a inovação social?
Temos uma quantidade insuficiente de líderes. Os atuais trabalham com ecossistemas fragmentados. Cada setor tem apenas sua leitura sobre recursos, aspectos legais, conhecimento, aceleração, network. Não contamos com muitos líderes que trabalham com uma visão mais sistêmica. Portanto, a questão é: como eu começo a formar pessoas para entender que as soluções são sistêmicas? Não adianta eu falar, por exemplo: “Ah, o meu filho não está bem na escola”. Isso não é suficiente. Você precisa olhar para o professor, para a escola, para a família, para a comunidade, se tem ONGs de suporte etc. Para isso, precisamos formar lideranças habituadas ao pensamento sistêmico. Não adianta apenas buscarmos um executivo ou um CEO carismático. É necessário ver como ele trabalha em equipe, quais são as pontes que consegue criar. Na verdade, cada um deve ser uma ponte. Isso significa que a inovação social exige líderes com obrigação moral e valores para fazerem pontes legítimas. Líderes que questionem nossos pressupostos e nossos consensos. Quem diria, cinco anos atrás, após a “Primavera Árabe”, que voltaríamos a ter aristocratas piores… Esses líderes precisam entender que é mais importante focar na construção de processos cuidadosos (design thinking). O que é rico em processos de inovação social é se abrir ao desconhecido. Muitas vezes não sabemos aonde vamos chegar, mas se continuarmos fazendo mais do mesmo, já sabemos que não chegaremos às mudanças que precisamos e na escala necessária.
O que foi debatido na reunião da SIX sobre esse movimento de inovação social?
Trata-se de um movimento de pessoas e organizações que desejam inovar e, nesse processo, precisam lidar com o modo como poder, controle e responsabilidade se arranjam na sociedade e o que isso significa para as pessoas e o potencial humano. Como diz um dos textos debatidos, temos de “trabalhar pacientemente, com propósito e otimismo para resolver problemas, mudar sistemas e enfrentar condições culturais e políticas que erodem esperança, oportunidade e, nesse processo, negam uma vida decente e florescente para todos”.
Com que valores ou pilares esse movimento de inovação social trabalha?
Em uma das sessões da reunião da SIX, liderada por Uffe Elback, os participantes partilharam os seguintes valores: empatia, curiosidade/humildade, criatividade/respeito, coragem/honestidade, integridade, liberdade/amor/positividade, compaixão/inclusividade, satisfação/aprendizagem, colaboração, relacionamentos/dignidade/igualdade/bondade/sinceridade.
Como a SIX atua para incentivar a inovação social?
A SIX trabalha desde 2008 com governos, organizações empresariais, acadêmicos, financiadores e os principais intermediários para apoiar e acelerar o campo da inovação social no mundo. Sua equipe, baseada em Londres, procura aprender com pessoas que estão inovando em suas comunidades. Sua função é conectar inovadores, experiências de planejamento, conhecimento sobre curadoria e “insights”. Atua também na disseminação de exemplos práticos de inovação social e na realização de workshops para governos, universidades, fundações e outras instituições. Atualmente, a SIX está realizando o projeto LASIN com oito universidades em quatro países da América Latina, cujo objetivo é prover um novo paradigma para a transferência do conhecimento no interior das universidades e apoiar o conceito de inovação social como instrumento essencial do desenvolvimento e coesão social, nos níveis regional e internacional. Como parte desse projeto a SIX realizará cursos sobre inovação social entre 27 e 29 de abril na Universidade Federal do Rio de Janeiro e na UNIRIO.