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A elaboração de uma política nacional de finanças sociais
Para Marcos Vinicius de Souza, secretário de Inovação e Novos Negócios do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), e integrante da Força Tarefa de Finanças Sociais (FTFS), o Brasil está alinhado às melhores práticas mundiais nas áreas de finanças sociais e negócios de impacto. Além disso, pode inspirar os países da América Latina a engajar seus governos nesse movimento. Nessa entrevista ao ICE Notícias, ele fala sobre a elaboração de uma política nacional de finanças sociais e do papel do MDIC na articulação do governo federal.
Por que o MDIC abraçou a frente de finanças sociais e negócios de impacto?
O nosso envolvimento com o tema de finanças sociais começou em 2016. Estávamos desenvolvendo uma série de ações para startups de mercado, ainda sem englobar negócios de impacto, e pensando também em ações voltadas para capital de risco e de incentivo à formação de fundos. Não conhecia o trabalho do Instituto de Cidadania Empresarial, ICE, mas ao comentar com um amigo, Henrique Bussacos, do Impact HUB de São Paulo, o que estávamos fazendo no governo, ele nos colocou em contato com Célia Cruz e Beto Scretas. Quando tomamos conhecimento das Recomendações da Força Tarefa de Finanças Sociais, constatamos que já estávamos trabalhando em várias daquelas frentes, ainda que sem o enfoque de impacto. Resolvemos então incluir o segmento de impacto entre as nossas propostas.
Qual foi o passo seguinte?
O passo seguinte foi analisar como o governo poderia ajudar a alavancar as Recomendações da Força Tarefa. Não apenas o MDIC, mas o governo federal como um todo. Começamos a identificar atores, ministérios, bancos e agências que poderiam ajudar. O MDIC foi a ponte que colocou essa temática no governo federal. Na primeira etapa, fizemos reuniões individuais com representantes dos Ministérios da Fazenda, do Planejamento, do Desenvolvimento Social, BNDES, APEX e outros, para apresentar o tema e debater as oportunidades que poderiam ser desenvolvidas com apoio do governo. Conforme avançamos, o negócio foi ganhando força. Nós levamos para o ministro Marcos Pereira, do MDIC, o que estávamos fazendo e surgiu a proposta de criar uma política ou estratégia – ainda não foi definido o nome – algo oficial do governo para apoiar o setor de negócios de impacto e finanças sociais.
Foi criado também o Grupo Finanças Sociais do Governo Federal?
O grupo Finanças Sociais do Governo Federal é liderado pelo MDIC e conta com a participação de 10 instituições de áreas governamentais – Ministérios do Planejamento, do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA), SEBRAE, BNDES, Caixa e Banco do Brasil. Todas estão participando das discussões e mapeando suas ações e iniciativas relacionadas ao desenvolvimento do campo. Vamos chamar mais gente para participar. A meta é buscar sinergias.
O lançamento da política nacional já tem data?
Já estamos na reta final de produção dessa estratégia e a ideia é lançá-la no segundo semestre deste ano. Antes disso, faremos uma consulta pública para que a própria sociedade dê a sua opinião sobre o que estamos propondo. Nós ainda estamos definindo se será uma política, estratégia ou plano. Tudo vai depender do grau de detalhamento das soluções que serão implementadas. Política seria um documento que coloca grandes diretrizes, plano tem uma conotação mais operacional. Independente do nome, o que pretendemos elaborar é algo que oriente o governo brasileiro para os próximos anos, seja quem for que assumir, sobre quais áreas precisam ser desenvolvidas. E ao mesmo tempo lançar algumas soluções e produtos para ajudar o setor. Não ficar apenas nas diretrizes, mas apontar instrumentos e programas específicos que deem sustentação. A meta é consolidar todas as ideias para consulta pública. Depois vamos analisar o que é viável e o que é de competência do governo. Vamos engajar desde o início todos os diferentes setores do governo no desenho dessa política, para que cada um assuma a sua parte na responsabilidade. A ideia é que o MDIC organize e coordene essa política, mas que assuntos específicos sejam liderados pelos órgãos do governo referentes aos temas.
Quais pontos dessa política já é possível destacar?
Foram definidos quatro grandes eixos básicos, que estão alinhados com as Recomendações da Força Tarefa e com o planejamento estratégico do Global Steering Group, que reúne as 16 Forças Tarefas constituídas formalmente no mundo. Os eixos são: aumentar o capital disponível para o setor; melhorar a qualidade do pipeline de negócios; aprimorar a regulamentação; intensificar a presença do governo nesse campo; e, por último, fortalecer as instituições intermediárias.
Como foi sua participação no Global Social Impact Summit 2017, evento promovido pelo Global Steering Group realizado em Chicago, em julho?
Tive a satisfação de participar como representante do governo e membro da Força Tarefa de Finanças Sociais do Brasil, da plenária sobre o papel dos governos no campo de investimento de impacto. Foi muito gratificante constatar que estamos alinhados às melhores práticas mundiais e que nossa atuação pode servir de inspiração para países que estão iniciando esse movimento. Na sua apresentação, Ronald Cohen, líder do Global Steering Group, havia colocado que o segmento de negócios de impacto que menos evoluiu no mundo, nos últimos anos, foi o de governo. Mas não é o nosso caso.
O encontro foi importante também porque vimos diversas iniciativas bem-sucedidas realizadas em outros lugares e que estávamos pensando em desenvolver aqui. Agora elas podem servir de benchmarking para nós. Além disso, os participantes desse encontro eram muito colaborativos e abriram suas redes de contato para nos ajudar.
Participamos também de um workshop com a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) sobre políticas públicas para negócios de impacto. O tema foi o toolkit que está sendo desenvolvido para auxiliar os formuladores de políticas na tarefa de envolver os diferentes segmentos em seus países. O rascunho apresentado era praticamente igual ao que nós estamos fazendo. Nós fomos convidados a dar exemplos do Brasil e mostramos passo a passo o que estávamos fazendo. Tudo se encaixava no que a OCDE estava sugerindo.
Como a experiência brasileira pode ajudar a fortalecer o tema na América Latina?
Na América Latina, esse movimento ainda é uma novidade. Nós mesmos atuamos no campo há pouco mais de um ano. Mas podemos ajudar outras Forças Tarefas a envolverem seus governos na discussão dessa temática. Tivemos uma reunião com representantes do governo da Argentina, país que vai assumir a presidência do G20 em dezembro. Eles pediram o nosso apoio para incluir o tema inovação social e negócios de impacto como uma das prioridades do G20. De pronto nós manifestamos nosso interesse em apoiar a Argentina. Discutimos também com o pessoal do México no sentido de garantir o apoio do governo para esse tema entrar como prioridade no G20. Nós também vamos ajudar a Força Tarefa do Uruguai, que recentemente passou a integrar o Global Steering Group, a mobilizar os órgãos governamentais em iniciativas conjuntas.
No governo brasileiro, quais as áreas que mais evoluíram nessa temática?
O BNDES está muito ativo. Estamos discutindo com várias áreas diferentes do banco sobre possibilidades de apoio para o segmento de negócios de impacto e finanças sociais. Temos também apoio do Ministério do Planejamento, principalmente nas questões relacionadas com compras públicas e social impact bonds (SIB). Estamos muito envolvidos com a Caixa, que tem interesse em entrar nesse segmento, oferecendo produtos financeiros e utilizando o seu poder de compra e o seu Fundo Social. Além dessas frentes, o Sebrae está muito envolvido com esse processo e bastante integrado com as nossas ações. Outros atores também estão em negociação avançada. O próximo passo para concluir esse processo de convencimento é atrair e envolver os ministérios finalísticos, que estariam mais interessados nas soluções de negócio de impacto. Como por exemplo, os ministérios da Educação e da Saúde, que não teriam instrumentos específicos para ajudar o campo, mas poderiam participar como demandantes de serviços, apoiando projetos que melhorem a qualidade dos serviços públicos.
O que representa o programa InovAtiva nesse cenário?
O InovAtiva é um programa do MDIC, que existe desde 2013. O InovAtiva de Impacto, criado no ano passado, foi o nosso primeiro piloto no segmento de negócios de impacto. Desenvolvemos conteúdos especiais para explicar para as startups o que seria negócio de impacto. Depois disso, nós colocamos especialistas em negócios de impacto e finanças sociais para atuarem como mentores das startups. No final, elas se apresentaram para uma banca de investidores. Por que fizemos isso? Primeiro: para testar se havia demanda e se nós tínhamos condições de fazer. E segundo: porque a gente identificava na rede do InovAtiva muitas startups que claramente tinham o propósito de negócio de impacto, mas nunca tinham ouvido falar nesse termo. Muitas têm potencial de atrair recursos e de serem aceleradas como negócios de impacto. Deu certo, a meta é expandir e trazer outros instrumentos do governo para apoiar o programa. No Brasil todo tem muita coisa interessante acontecendo, muita tecnologia sendo desenvolvida. O que falta é conhecimento de negócios e é isso que o programa proporciona. A possibilidade de onde quer que o empreendedor esteja, ele terá acesso a um mentor altamente qualificado, que pode ser o CEO de uma empresa, o investidor de um fundo ou um empreendedor de sucesso que começou do zero. Basta ter internet. Quando criamos o programa de mentoria do InovAtiva, a meta era dar a realidade de mercado para as startups. É um programa pioneiro e complexo, que conta com 650 mentores voluntários e recebe 2 mil propostas em cada ciclo.
O Grupo Finanças Sociais do Governo Federal atua também na área de regulamentação do setor?
Há várias demandas identificadas. Uma delas são as mudanças na Lei de Licitações, para permitir algum tipo de preferência ou vantagens para negócios de impacto. Outra analisa a criação de uma personalidade jurídica, tipo B Corp como existe nos Estados Unidos.
Há questões de incentivos fiscais para investimento-anjo ou em startups. Ou ainda a regulação de social impact bonds. Estamos discutindo várias frentes regulatórias com pessoas do governo e da Força Tarefa, com o objetivo de desenhar as soluções necessárias.
E com relação a métricas capazes de medir o impacto?
Para mim, essa foi uma surpresa no encontro de Chicago. Há uma infinidade de modelos e não há consenso. Nesse momento, nós não vamos entrar nesse debate. Mas o campo vai ter que enfrentar essa questão. As startups que estão começando não têm recursos para contratar serviços especializados em mensuração de impacto. Uma das ações que estamos analisando é identificar os recursos disponíveis do governo, em termos de financiamento e de subsídios, para apoiar esses negócios iniciantes a fazerem medição de impacto. Outra ação, que estamos discutindo com o ministério do Planejamento, é a possibilidade de saber o custo para o governo de cada prestação de serviço público e em cada localidade. Assim, será viável comparar com o setor privado, se ele consegue fazer melhor e com custo mais barato. Comparar o chamado custo unitário da intervenção. São ações ainda incipientes e um desafio para o Brasil.