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Avaliação de impacto está virando dogma?
Não é segredo que a avaliação de impacto deve ter o tamanho da complexidade do negócio. E que há modos variados de se aferir o impacto. Muitas vezes, a redução da mensuração a um número pode se tornar um simplificador incapaz de captar o impacto etodas as suas nuances. Ou, em outros casos, essa simplificação pode em si mesma dar conta de medi-lo.
Muitos empreendedores ainda se sentem incomodados quando esse é o assunto em pauta. A medição de impacto, muitas vezes, se mistura ao relato de resultados, numa linha muito tênue e de difícil separação. Daniel Brandão, da Move Social, aponta que essa semântica do campo não tem solução simples, e que debater o que é impacto e o que é resultado pode ser pouco produtivo. É dele a provocação que dá nome a esse texto, e também a de começarmos a falar mais sobre uso de dados.
“Todos temos métricas. O uso de dados por empresas é enorme, e no nosso setor, onde queremos mudar e melhorar o mundo, estamos engatinhando nisso. As pessoas dizem que medir impacto é complicado, e querem um número só. Precisamos que o profissional de investimento de impacto tenha a mesma sofisticação que o investidor tradicional, no sentido de entender e ver mais dados para tomar decisões, ” avalia Sasha Dichter, Diretor de Inovação da Acumen.
Se as leituras possíveis de avaliação de impacto são múltiplas, e se o tema se mostra tão pouco consensual por causa mesmo dessa multiplicidade, uma das coisas que parece inspirar é que o processo de avaliação pode ser algo mais simples e convidativo. O próprio Sasha aponta a pouca compatibilidade entre o feeling do empreendedor – de uma pessoa que enxerga e vai à frente na solução de um problema, de modo pragmático e criativo – e o ‘monitoramento’ que pode representar essa avaliação: “O branding, a experiência, tem que mudar. É preciso perguntar para quê e para quem se está fazendo isso [avaliação]. E é preciso fazer de maneira completamente diferente da que faz, por exemplo, uma empresa que não interessa àqueles empreendedores. ”
Sasha cita o exemplo da mudança de perspectiva na própria Acumen, que descobriu a possibilidade de uso de tecnologia para coletar dados objetivos: “Antes, eram realizadas uma ou duas entrevistas em campo, por pessoas treinadas. Hoje há estudantes, de qualquer país, realizando cerca de 10 a 15 entrevistas por telefone. A forma de coleta de dados tem que mudar radicalmente. O ‘como’ é muito importante, o custo, o tempo, tudo isso muitas vezes é feito de maneira acadêmica, e não no ritmo dos negócios. Baixamos o custo em 90% com uma inovação. E meu próprio processo pode evoluir para ser mais rápido.” A Acumen tem suas ações localizadas na América Latina, em partes da África, no Paquistão, na Índia e na América do Norte.
Já para a NESsT, que também está presente em um território amplo que inclui Brasil e Cone Sul, Andes, Polônia e países bálticos, Romênia e os Balcãs, a coleta de dados se dá mesmo no campo. Investindo em negócios socioambientais há 20 anos, com ‘vários chapéus’ que incluem investidor, mentor e às vezes até composição do board, o grupo é também captador de capital filantrópico e se reveza nos papéis de preparar reports e de dividir esse conhecimento com os empreendimentos que apoia. “A gente não está medindo impacto, mas resultados. Coletamos dados dos empreendimentos apoiados, mas são resultados. E achamos isso importante. Que seja simples, que se faça mensuração de resultados. A NESsT investe em negócios que estejam gerando emprego e renda dignos. Na hora de medir, vamos ao beneficiário, até a casa dele, conversar de coisas delicadas como renda com quem muitas vezes não sabe quanto ganha. Cada vez que a gente dá um passo, aprende muito. Cada negócio social e seus beneficiários partem de um lugar diferente, e as metas têm que considerar as particularidades. Não dá para comparar”.
Luciana Aguiar, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, que trabalha com indicadores de impacto em relação aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, avalia que “às vezes é preciso ter um dado mais qualitativo, mais ‘na ponta’, porque o approach quantitativo pode não conseguir trazer o dado que você necessita. Se falamos de governo, ou uma empresa, talvez seja necessária uma metodologia mais rigorosa. A informação qualitativa ajuda a captar outros dados do impacto, mas pode não ser suficiente para entender como escalar. ”
Das metas da Agenda 2030, grande parte está relacionada ao trabalho dosetor privado, o que é um grande desafio. “Os negócios têm cada vez mais o papel de acompanhar e monitorar resultados. O foco, nesse caso, precisa estar, sobretudo, na qualidade da implementação e estruturação desses negócios, e muito menos nos resultados, ” diz ela.
“Avaliação te coloca numa postura passiva, de quem está observando, e gerenciamento traz uma postura mais ativa, de quem está incentivando a mudança. Podemos falar de projeto de gerenciamento de impacto. Os negócios vão ter que aprender a adicionar isso na sua gestão. Hoje há um gerenciamento contínuo da área financeira, será preciso criar um também para gerenciamento de impacto. Todas as pequenas decisões de negócio precisam ter um raciocínio integrado, ” avalia Gilberto Ribeiro, da Vox Capital.
O Modelo C
E se a modelagem do negócio for integrada, articulando tese de impacto e modelo de negócios? Essa é a proposta do Modelo C, que foi lançado durante o Fórum Social de Finanças Sociais e Negócios de Impacto, realizado em 06 e 07 de junho. Desenvolvido pela Move Social e Sense–Lab com apoio doInstituto de Cidadania Empresarial e da Fundação Grupo Boticário, ele é composto pela integração da Teoria de Mudança e do Business Model Canvas.
Nessa lógica, se observa um fluxo de negócios e capacidade organizacional dando suporte a uma intervenção que deve gerar mudanças sociais e/ou ambientais. Os processos relativos à oferta de produtos e serviços que atendam uma necessidade de mercado e a tese de impacto do negócio estão integrados, em uma relação sinérgica, e não podem ser dissociados. Ele facilita que o negócio enxergue, por exemplo, como uma alteração no modelo de receitas afeta o modelo de impacto, e vice-versa. Há um movimento no Modelo C que se estabelece do impacto para o negócio, e que mostra a emergência da transformação social associada à geração de resultados financeiros.
Partindo da ideia de que um negócio de impacto nasce sempre da vontade de mudar para melhor alguma realidade que incomoda, o Modelo C propõemergulhar na questão a ser tratada pela iniciativa, ter conhecimento do que representa o contexto e o problema a serem enfrentados. A partir disso se constrói uma ‘visão de impacto’, que traz a imagem geral de mudança que se quer ver no mundo – deve conter os principais impactos que o negócio deseja ajudar a gerar, já que diz respeito a efeitos/resultados mais macro, sistêmicos, e que devem ser fruto de diversos esforços. Ela deve expressar o ideal de mundo que se quer alcançar no futuro.
O Modelo C indica, por meio das diferentes categorias da Teoria da Mudança, os aspectos principais a serem monitorados (outputs/saídas) e resultados a observar no curto, médio e longo prazo. Com isso, é possível desenhar uma estratégia que definirá o que será monitorado e quando, permitindo que recursos sejam planejados para viabilizar o ciclo avaliativo. Indicadores podem ser definidos para resultados financeiros (usando métricas tradicionais de negócio), para performance de equipe e, no âmbito da mudança social, podem ser inseridos para acompanhar outputs/saídas, resultados parciais e finais.
A publicação sobre o Modelo C traz dicas para aplicação e um caso prático, o Araucária+, que permite acompanhar essa articulação entre tese de impacto e modelo de negócios de maneira bem clara e direta. Clique aqui para acessar.