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Empreendedorismo climático: o que o setor de impacto pode fazer pelo meio ambiente?
Para debater este assunto, conversamos com Ricardo Gravina, diretor da Climate Ventures, organização que atua para mapear e impulsionar startups e negócios com propósito socioambiental.
Os potencialmente catastróficos impactos das mudanças climáticas foram tema recorrente na última Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), realizada em Nova York, nos Estados Unidos, em setembro. O secretário-geral da ONU, António Guterres, alertou em seu discurso inaugural que a velocidade do aquecimento global tem provocado emergências no mundo todo, enquanto líderes dos países enfatizaram suas vulnerabilidades no que se refere ao assunto.
Uma economia regenerativa e de baixo carbono no Brasil depende diretamente da capacidade de inovação de empreendedores criativos e alinhados às novas demandas da sociedade e do planeta. É nisso que a Climate Ventures acredita.
A organização, que acaba de fechar inscrições para sua 2ª Chamada de Bons Negócios Para o Clima, atua no mapeamento e impulsionamento de startups em todo o Brasil que utilizam tecnologia e outras soluções para combater as mudanças climáticas com modelos de negócios regenerativos para o planeta. Em dois anos, a Climate Ventures já mapeou mais de 500 negócios.
O ICE conversou com Ricardo Gravina, diretor da Climate Ventures. Para o especialista, o ecossistema de impacto no Brasil está se fortalecendo e é hoje o campo com maior potencial de soluções inovadoras para impulsionar a economia verde e mitigar os efeitos das mudanças climáticas.
Ricardo falou sobre desafios e oportunidades para acelerar o debate em torno da pauta ambiental no Brasil, integração entre desenvolvimento, enfrentamento das desigualdades e sustentabilidade e a conexão entre o ecossistema de impacto e a pauta ambiental.
Confira a seguir a entrevista na íntegra.
Boletim ICE – As mudanças climáticas e outros temas relacionados à pauta ambiental nunca estiveram tão em evidência. Ainda assim, parece existir no Brasil um atraso no que se refere à relação dessa agenda com outras que há muito tempo fazem parte do arcabouço de agendas públicas sobre o qual atuam setor público, privado e organizações da sociedade civil. Como você avalia esse cenário?
Ricardo Gravina – A consciência social global sobre a crise climática, ou melhor, sobre a emergência climática, aumentou muito nesses últimos anos, independentemente do posicionamento do governo brasileiro ou estadunidense. Já podemos perceber impactos ambientais, sociais e econômicos reais em várias regiões do Brasil e do mundo.
Boletim ICE – Isso significa que a agenda ambiental está intrinsecamente ligada aos interesses econômicos da nação, certo?
Exato. As secas no campo já são uma realidade. O clima seco e quente castiga as lavouras e está afetando drasticamente a safra da soja, por exemplo. Os prejuízos estimados para 2019 podem chegar a 60% em regiões como o oeste do Paraná, segundo Márcio Bonesi, presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado do Paraná. Em muitas dessas regiões, o dano para a terra é irreversível, com a desertificação do solo que impedirá futuras lavouras, deixando para trás milhões de hectares de solos degradados. É necessário compreender com urgência que o agronegócio, base da economia brasileira, depende diretamente de um clima estável. O sucesso das nossas safras depende das chuvas que são originadas na Amazônia.
A partir desse cenário, a questão da emergência climática passa a ser também uma questão econômica, que, consequentemente, deve entrar cada vez mais nas pautas prioritárias de empresários e gestores públicos. Assim, esperamos ver em breve um movimento positivo do Brasil alinhando sua agenda de desenvolvimento econômico ao combate às causas das mudanças climáticas.
Boletim ICE – Quais segmentos estão em alta no universo da economia verde? Pode dar alguns exemplos?
Ricardo – Na minha visão, negócios em segmentos mais consolidados, que possuem uma regulação clara, que utilizam tecnologias emergentes ou que estão mais alinhados às necessidades de curto prazo de outras organizações (Business-to-Business ou B2B), são os que estão tendo maior atenção do mercado hoje. Negócios que atuam com eficiência, como as ESCOS (serviços energéticos), com geração de energias renováveis, principalmente eólica, com eficiência hídrica, entre outros, estão despontando. As agtechs e outros negócios que atuam para apoiar os agricultores com uma melhor utilização de seus insumos também ganharam muito espaço. Nas cidades, negócios que tratam resíduos despontaram e crescem muito por conta da Lei nº 12.305/10, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). A bioeconomia, em especial os negócios que surgem a partir da sociobiodiversidade, também estão aos poucos encontrando um ambiente mais propício, com novos modelos de negócios e fluxos financeiros para crescerem. A economia verde como um todo está surfando essa onda que surgiu por conta da conscientização dos impactos que o ser humano está gerando no planeta. Vale lembrar que economia verde é mais ampla do que negócios que combatem mudanças climáticas.
Boletim ICE – Como se integram os desafios ambientais, a redução de desigualdades e a agenda de negócios, ou seja, como equilibrar a produção de riquezas a partir do meio ambiente com a sustentabilidade ambiental?
Ricardo – A inclusão social é fundamental para seguirmos em direção a um modelo de desenvolvimento mais equilibrado, que não apenas mitiga ou se adapta às mudanças climáticas, mas também visa a regeneração do planeta e das relações humanas. O caminho para isso ainda é muito incerto. Até hoje, não conheci um modelo que tenha atingido significativamente esses objetivos. Esse tema é fundamental e precisa ser tratado imediatamente. Vale trazer também outro ponto: as populações mais vulneráveis já estão sofrendo com as mudanças climáticas e vão sofrer muito mais. Ao desenhar um novo modelo de desenvolvimento para o Brasil é fundamental levar em conta a justiça climática. Se não incorporarmos esse aspecto aos novos modelos de negócios e desenvolvimento econômico, não estaremos atuando numa das principais causas do próprio processo de degeneração do planeta. Um excelente exemplo de caminho é o Green New Deal, criado pela deputada Alexandria Ocasio-Cortez (Dem/EUA), que considera a criação de fundos especiais para proteger a população de desastres ambientais.
Boletim ICE – Os negócios de impacto vêm se colocando como um novo ator que pode contribuir para a resolução dos maiores desafios da humanidade. No Brasil, esse é um setor que também dá seus primeiros passos, assim como seu envolvimento com a agenda da sustentabilidade. A Climate Ventures, por sua vez, acaba de encerrar a etapa de inscrições para sua 2ª Chamada de Bons Negócios Para o Clima. Quais são as expectativas em torno dessa conexão entre o ecossistema de negócios de impacto e a pauta ambiental?
Ricardo – Em apenas dois anos, a Climate Ventures já mapeou mais de 500 bons negócios para o clima. Para nós, isso é um sinal claro de que mais e mais empreendedores estão empenhados em resolver a crise climática utilizando a força dos negócios. É um caminho sem volta. O clima entrou de vez na pauta e acreditamos que os números devem crescer exponencialmente nos próximos anos. Acredito que com o apoio da tecnologia e capacidade de articulação de atores estratégicos do ecossistema teremos todas as condições para encontrar cada vez mais bons exemplos de negócios que buscam equilibrar retorno econômico e impacto positivo no clima. A Climate Ventures nasceu para contribuir com a prosperidade desse campo, apoiando não só os empreendedores, mas também todo o ecossistema de atores que querem se aproximar dessa agenda nos próximos anos. Por meio do impacto coletivo, queremos ajudar a colocar o Brasil como protagonista no fortalecimento de uma economia mais regenerativa e de baixo carbono nos próximos anos.
Boletim ICE – Em sua opinião, que papéis têm os diferentes setores da sociedade brasileira no sentido de alavancar a relação entre os desafios da agenda de desenvolvimento sustentável e o setor de impacto?
Ricardo – Antes de pontuar o papel de cada ator, é fundamental que todos os atores ajam de forma orquestrada. Precisamos de apoio governamental na regulação das temáticas que vêm surgindo, como a própria bioeconomia, além da criação de políticas públicas que desonerem quem está fazendo negócios buscando impactos ambientais positivos. A oferta de capital precisa atuar de forma conjunta com organizações de fomento (nacionais ou internacionais) para reduzir risco de investidores, podendo assim destravar maiores volumes de investimento para o campo. Além disso, esse campo precisa ganhar relevância e atenção especial de organizações que oferecem suporte aos negócios, como aceleradoras, incubadoras, academia, entre outros. A Climate Ventures tem como ambição atuar exatamente no papel de orquestrar esses diferentes atores para gerarmos impacto em escala.
Boletim ICE – E quais são os próximos passos?
Ricardo – Além das chamadas de ideias e negócios, a Climate Ventures está atuando em algumas frentes, como impulsionamento dos melhores negócios selecionados, criação de um estudo aprofundado do campo de bons negócios para o clima, criação de mecanismos financeiros adequados e articulação de atores que investem em negócios para criar pipelines de financiamento, criação de métricas de impacto climático, entre outras. Todas essas iniciativas são realizadas em parceria com organizações do campo. Além disso, temos uma frente de laboratórios de inovação multisetoriais que abordam alguns aspectos estruturantes do campo. Atualmente, estamos realizando uma primeira edição do Lab Amazônia, focado em criar soluções para os desafios de logística e comercialização de produtos da biodiversidade, ponto fundamental para a competitividade de centenas de negócios da Amazônia, em parceria com a Plataforma Parceiros pela Amazônia.