This website uses cookies so that we can provide you with the best user experience possible. Cookie information is stored in your browser and performs functions such as recognising you when you return to our website and helping our team to understand which sections of the website you find most interesting and useful.
Evento da ANDE traz insights sobre empreendedorismo feminino no Brasil
Encontro faz parte de projeto que estuda aplicação de lentes de gênero no apoio ao empreendedorismo brasileiro.
Em apenas dez países do mundo o número de mulheres iniciando novos negócios é igual a quantidade de homens na mesma condição. No mercado de trabalho, elas tendem a ganhar, em média, 24% a menos do que eles. Além disso, uma em cada três mulheres já sofreu violência física ou sexual. Esses foram alguns dados apresentados durante o painel “Aplicando uma lente de gênero no apoio ao Empreendedorismo: Insights do Brasil”, realizado no mês de março em São Paulo.
O evento faz parte da iniciativa homônima criada pela parceria entre Aspen Network of Development Entrepreneurs (ANDE) e Institute of Development Studies (IDS), com apoio do Developing Inclusive and Creative Economies (DICE). Desde julho de 2019, o grupo tem promovido workshops e webinars de acompanhamento para ampliar a compreensão sobre os desafios na implementação da igualdade de gênero no campo do empreendedorismo, além da troca de conhecimento e criação conjunta de estratégias com esse fim. Os aprendizados advindos desse percurso foram sistematizados no estudo Aplicando uma Lente de Gênero ao Apoio ao Empreendedorismo: Insights do Brasil.
O cenário
Em sua apresentação, a pesquisadora Jodie Thorpe (IDS) frisou que a questão de gênero interage com outros fatores, como raça e classe. Ela também reforçou que falar sobre o tema é importante porque no mundo todo e diariamente, mulheres são submetidas a persistentes iniquidades, mesmo em diferentes contextos.
Segundo um levantamento da McKinsey & Company, o Produto Interno Bruto (PIB) global teria, até 2025, um acréscimo de 28 trilhões de dólares, caso mulheres e homens participassem igualmente da economia. Já o estudo da Calvert Impact Capital observou maior desempenho financeiro em empresas com mais percentual de mulheres em posições de liderança. Apesar desse tipo de pesquisa mostrar que o entendimento da relação entre gênero e crescimento econômico está aumentando, Jodie reforça que a compreensão ainda encontra-se em estágio inicial quando o assunto é como aplicar as lentes de gênero no investimento de negócios.
A partir das discussões que o estudo da ANDE proporcionou surgiram quatro tópicos principais para aplicar lentes de gênero: entender vieses – barreiras estruturais e estereótipos internalizados – que colocam mulheres em posição de desvantagem; reconhecer as interseccionalidades – ou seja, como gênero relaciona-se a fatores como classe, raça e orientação sexual -; apoiar a conexão entre mulheres empreendedoras com diferentes perfis de investidores; e promover a atração e retenção de mulheres em programas de empreendedorismo.
“Um estudo mostrou a diferença entre perguntas feitas para homens e mulheres em pitchs. Enquanto eles são 67% mais questionados sobre suas visões e ambições, elas, em 66% dos casos, são questionadas sobre riscos e responsabilidades”, afirmou Jodie. Reconhecer esses vieses, ampliar produção e captura de dados e indicadores sobre os diferentes perfis de mulheres empreendedoras e reconhecer que existem diferentes necessidades de financiamento de acordo com as características de cada empreendedora são alguns movimentos que podem ajudar na inclusão feminina.
Fernanda Bombardi, gerente executiva do ICE, pontua que as discussões do evento reforçam a diferença entre oportunidades, acesso à informação e a forma como a sociedade enxerga empreendedores homens e mulheres. “Um dos pontos de atenção é a dificuldade de atrair mulheres para programas de aceleração e, quando isso acontece, é difícil mantê-las, pois as iniciativas não são pensadas para conversar com desafios específicos do público feminino. Um exemplo legal é a B2Mamy, uma empresa que combina treinamento presencial e à distância. O coworking conta com um espaço de child care, uma adequação muito legal”, comenta.
Para Cecília Zanotti, diretora executiva da ANDE no Brasil, incluir mais as mulheres no ecossistema empreendedor brasileiro e garantir o crescimento de seus negócios é um desafio que demanda vários passos e medidas simultâneas. “A ANDE definiu como uma das suas três áreas prioritárias para os próximos dez anos a questão de gênero. Dentro disso, sua atuação tem como foco fortalecer o ecossistema empreendedor a partir das organizações intermediárias, ou seja, aquelas que apoiam o empreendedorismo.”
Interseccionalidades
Não é à toa o alerta feito pela pesquisadora Jodie Thorpe sobre reconhecer interseccionalidades, ou seja, como a questão de gênero soma-se a outras características e identidades. Segundo um levantamento realizado pelo Instituto Locomotiva, mulheres negras movimentam cerca de R$ 704 bilhões por ano no Brasil, o que representa 16% do valor do consumo nacional.
É papel da sociedade, portanto, reconhecer e promover as possibilidades dessa potência. Segundo Cecília, ao engrossar o coro do que organizações parceiras do feminismo negro estão falando há décadas, a ANDE concorda que não é possível ignorar raça e renda e todas as barreiras que as acompanham.
“As mulheres negras são o maior grupo populacional quando comparadas a mulheres brancas, homens negros e homens brancos. Isso, por si só, já seria suficiente para olharmos para a questão do empreendedorismo e fazermos todos os esforços necessários para que mulheres negras estejam representadas na mesma proporção em todo o cenário empreendedor, não apenas no empreendedorismo por necessidade. E principalmente quando falamos em empresas com potencial de crescimento”, reforça.
Para a diretora, o conjunto de barreiras que se impõem e impedem a representatividade adequada em espaços de empreendedorismo deveria começar a ser quebrado a partir da escuta ativa dessas mulheres.
Experiências brasileiras e mensagens para o ecossistema
Ítala Herta, cofundadora da Vale do Dendê, aceleradora de negócios localizada em Salvador, dividiu com o público a importância de sempre considerar as potencialidades de populações diversas quando o assunto é economia criativa e empreendedorismo. “Na minha opinião, não existe inovação sem diversidade porque assim estaríamos repetindo os padrões que combatemos e agindo como os negócios tradicionais que criticamos”, afirmou.
A lente da diversidade precisa ser aplicada também sobre diferenças regionais.. Para a empreendedora, é necessário mudar a visão de que a criatividade do país resume-se a São Paulo. Mesmo que a maioria dos investimentos concentre-se nas regiões sudeste e sul do país, deve-se considerar, por exemplo, a riqueza cultural e a pluralidade da capital baiana. “O lugar da vulnerabilidade é criatividade, um não existe sem o outro.”
Sobre a diferença de oportunidades para homens e mulheres, Ítala defendeu se tratar de uma questão histórica, considerando que a legitimidade da competência é, principalmente nos negócios, associada ao masculino. Nesse sentido, é importante a colaboração dos próprios homens para quebrar essa mentalidade.
Desde 2016, quando foi criada, a Vale do Dendê considera as questões de gênero e os desafios envolvidos na temática para elaborar suas formações. “As jornadas de aceleração servem justamente para provocar uma ruptura na mentalidade, para que as mulheres entendam que seu empreendimento não é, por exemplo, apenas cozinhar, mas também negociar e precificar o seu trabalho sem nenhum tipo de desconforto. Quando elas passam por esse processo, as conectamos com investidores potentes e também trabalhamos a narrativa do ‘eu empreendedora’ para que se reconheçam como tal”, explicou Ítala. Para ela, ver milhares de mulheres empreendendo não se trata de histórias de superação e sim de potência.
Renata Truzzi, diretora executiva da NESsT Brasil, participou via videoconferência para explicar a experiência da organização na aplicação de lentes de gênero, possibilitada por um financiamento da ANDE. Entre os objetivos estavam: mensurar disparidades de gênero nas empresas, beneficiários e fornecedores do portfólio, desenvolver métricas a serem incorporadas principalmente em negócios em estágios iniciais, além de aumentar o empoderamento econômico das mulheres e a igualdade de gênero nas empresas do portfólio NESsT.
Durante sua apresentação, a diretora citou o estudo Delivering Through Diversity, realizado pela McKinsey & Company, que mostra que empresas estão começando a considerar, cada vez mais, a diversidade e inclusão como fonte de vantagem competitiva e, principalmente, como um impulsionador do crescimento. As que incluem mulheres estão 21% mais propensas a ter lucratividade acima da média; nas que apostam em diversidade étnica, o índice sobre para 33%.
Entre as principais descobertas possibilitadas pela experiência está a percepção de que investidores, como a própria NESsT, precisam ser realistas com os empreendedores e incentivar a aplicação de lentes de gênero de forma gradual, começando por suas próprias equipes. Além disso, em muitos casos, empreendedores que trabalham com outras causas não enxergam a importância dessa medida.
Foi a partir disso que a NESsT definiu cinco papéis para si mesma na hora de se relacionar com outros negócios: desenvolver métricas qualitativas e quantitativas facilmente aplicáveis por negócios apoiados, assegurar que a própria NESsT segue essas determinações e não repete padrões indesejados, utilizar as métricas de gênero para ajudar a melhoria dos negócios, promovendo bem-estar e diminuição da desigualdade entre funcionários, apoiar empresas a fazer essa transição e informar investidores sobre o andamento do processo.
Para Renata, há a certeza de que o futuro do trabalho é inclusivo, uma vez que equipes diversas são mais produtivas, inovativas, lucrativas, resilientes,felizes e gratificantes, além de enxergar desafios por diferentes ângulos, o que acaba por conceder vantagem competitiva contra concorrentes.
Para Fernanda Bombardi, é importante que organizações intermediárias do ecossistema de negócios de impacto considerem os desafios da mulher empreendedora, pois é dessa forma que o Brasil irá caminhar na construção de um ecossistema mais inclusivo e diverso, endereçando os principais problemas sociais e ambientais.
“Se continuarmos estimulando o empreendedorismo do mesmo perfil de homens, brancos e de alta renda, nunca teremos a diversidade que precisamos para pensar soluções inovadoras pros problemas sociais e ambientais”, pontuou.