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Como a Magnamed, negócio de impacto, se tornou referência na crise gerada pelo novo coronavírus
Investimentos públicos e privados em ciência, tecnologia e inovação foram determinantes para a capacidade de escalar a solução frente à situação atual de emergência.
A fabricação de ventiladores pulmonares está entre os maiores desafios no combate à pandemia de Covid-19. O aparelho é usado para ajudar pacientes que apresentam insuficiência respiratória, um dos sintomas mais comuns da doença.
Segundo o site de notícias UOL, 60% das cidades brasileiras não têm respiradores para enfrentar a pandemia. Além do déficit de equipamentos, calculado no mês de março com base no cruzamento de dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DataSUS) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a reportagem destaca que a distribuição dos equipamentos pelo país segue o padrão nacional de desigualdades, com maior escassez nas regiões Norte e Nordeste.
Instalada a crise, a empresa paulista Magnamed ganhou notoriedade no noticiário. Especializado em ventilação pulmonar, o negócio esteve envolvido em diversas notícias com o aumento repentino da demanda de hospitais públicos e privados pelo equipamento com a chegada da pandemia ao Brasil.
Em março, o Ministério da Saúde anunciou a compra de 6.500 ventiladores pulmonares da empresa para fazer frente aos efeitos da crise com a expansão da capacidade do Sistema Único de Saúde (SUS). Nos próximos seis meses, a Magnamed deve priorizar esse pedido com exclusividade.
O contrato obrigou a empresa a realizar uma série de medidas para adaptar sua operação a uma demanda quase dez vezes maior que a habitual, fazendo-a saltar de um faturamento de R$ 40,8 milhões em 2019 para uma perspectiva de R$ 400 milhões este ano. Para atender à necessidade de escala e urgência, a Magnamed se uniu a empresas de diferentes setores, como Positivo, Suzano, Klabin, Embraer, GM, Fiat, Flextronics e outras.
“Temos um time de 400 pessoas envolvidas na operação. Além dos cuidados sanitários a fim de evitar uma contaminação que comprometeria nossa força de trabalho, fizemos diversos processos para melhorar a qualidade da nossa linha de produção. De 1.200 ventiladores produzidos o ano passado, saltamos para 1.650 ventiladores só nos últimos dois meses”, conta Paulo Tomazela, conselheiro da Magnamed.
Solução inovadora
Antes da pandemia, a Magnamed já era vista como negócio de impacto. Seu principal produto é um ventilador mecânico pulmonar criado para Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs) móveis, pensando nas necessidades de países emergentes como o Brasil.
Atualmente, o líder do mercado mundial é uma marca alemã, cujo produto é de difícil manuseio, requerendo mão de obra especializada. Além disso, sua bateria dura cerca de duas horas, uma vida útil adequada para países em que há bons hospitais a cada 15 minutos, mas não para o Brasil e outros países emergentes.
O produto da Magnamed tem bateria que dura aproximadamente seis horas e um painel touchscreen mais fácil e intuitivo de operar. O custo de produção e a adaptabilidade para uso em crianças e adultos são outros fatores que fazem do produto uma solução de impacto.
“O que diferencia um negócio tradicional de um negócio de impacto é a intenção por trás de sua criação e como isso se traduz nas ações do empreendimento. No caso da Magnamed, os fundadores, oriundos de escolas públicas, com uma formação robusta em tecnologia e engenharia, tinham a intenção de devolver para a sociedade essa capacitação. Com uma experiência prévia na área de saúde em uma das primeiras empresas fabricantes de equipamentos de anestesia, eles viram uma lacuna e uma oportunidade e resolveram criar um negócio para resolver um problema real, a assistência da saúde em mercados emergentes”, explica Gilberto Ribeiro de Oliveira Filho, sócio da Vox Capital.
Desde 2015, a startup está no portfólio da Vox Capital, principal gestora de investimentos de impacto do Brasil. Isto ajudou a Magnamed a reforçar e materializar as características que fazem da empresa um negócio de impacto social.
Para o especialista, as medidas e mudanças necessárias para enfrentar a pandemia aceleraram algumas tendências, como trabalho remoto, telemedicina e outros componentes de uma vida mais digital.
“Muitas das coisas que estão acontecendo por causa da Covid-19 reforçam a tese de investimento da Vox em saúde, um dos setores de nosso foco. Qualificar e expandir o acesso à saúde, repensar a oferta de educação para apoiar profissionais, estudantes e suas famílias e promover inclusão financeira são as três principais demandas nesse momento de crise.”
Com produção voltada majoritariamente para o mercado externo, com comercialização em mais de 60 países, a Magnamed enfrentou dificuldades para vender seu ventilador ao sistema de saúde brasileiro no passado.
“Desde o início, nós buscamos mostrar que o nosso produto não perde em nada para os grandes concorrentes internacionais, mas sofremos com a resistência do mercado brasileiro, apesar de exportarmos para mais de 60 países. Após a pandemia, esses hospitais terão podido observar a eficiência de uma solução que não deixa em nada a desejar para a tecnologia de fora e custa 50% menos”, observa Paulo.
Investimentos em ciência e inovação para gerar impacto
A capacidade da Magnamed de atuar como solução no atual cenário de crise, no entanto, vai além de uma atuação empresarial bem sucedida e investimentos privados. Em sua trajetória, recursos públicos (via instituições de fomento, universidades públicas e instituições de ciência e tecnologia) foram fundamentais para o desenvolvimento de uma inovação que hoje atende a uma demanda crítica do país.
Fundada em 2005 por engenheiros formados por instituições renomadas como Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) e Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), a Magnamed nasceu como uma startup.
As atividades de pesquisa e desenvolvimento dos ventiladores mecânicos pulmonares fabricados pela empresa contaram, inicialmente, com aportes do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP/PIPE).
De 2008 a 2011, a Magnamed recebeu investimentos do Criatec, fundo voltado à inovação criado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que também contou com a participação do Banco do Nordeste. Em 2016, Tatsuo Suzuki, fundador da empresa, foi um dos finalistas do Prêmio Empreendedor Social da Folha.
Nesse sentido, Paulo afirma que a capacidade de gerar inovações demanda um arranjo entre ação governamental e valorização de tecnologia e ciência. “O tripé inovação/ciência/investimento público permitiu que agora pudéssemos salvar milhares de vidas.”
Com o que concorda Juliana Rodrigues, pesquisadora e consultora do programa Academia ICE, que observa o importante papel do ecossistema nessa equação. “Existe a coordenação de todo um ecossistema com o apoio do investimento público em pesquisa e inovação, que precisa ser cada vez mais valorizado, na concepção do produto, e agora, na coordenação de muitas organizações para promover as respostas imediatas à urgência da pandemia”.
O futuro da Magnamed e do setor de impacto pós-pandemia
A falta de equipamentos e leitos de UTI já era realidade antes da Covid-19 e fica mais evidente e crítica agora. A pandemia num cenário que já era de crise reforça a necessidade de soluções diferentes para os velhos problemas.
A tese de investimento da Vox no setor de saúde se baseia na análise da assistência ofertada no país, que, segundo Gilberto, demonstra a importância do Sistema Único de Saúde (SUS).
“O SUS é um dos sistemas mais completos e complexos do mundo, é de fato uma assistência universal. Um dos principais desafios diz respeito à falta de acesso a informação e a capacitação para sua utilização. Outros gargalos estão na complementação da oferta – especialmente em setores deficitários, como a oferta primária -, na qualificação – pilar no qual a Magnamed entra como case de sucesso – e no eixo de diagnóstico e prevenção, com iniciativas que promovam saúde e bem estar em seu conceito integral”, explica.
Aliar impacto social positivo a retorno financeiro já não é uma utopia, mas uma realidade palpável. E a entrada de novos atores no setor fortalece esse ecossistema, ampliando o impacto que ele gera na vida das pessoas, em especial das populações de baixa renda.
“A oferta de capital precisa ser maior e mais diversa a fim de atender às diferentes necessidades dos empreendedores. Safras de investimentos e negócios que nasceram em momentos de crise e pós-crise são as de melhor retorno. Existe um ambiente fértil para empreender com problemas concretos para serem solucionados e recursos sendo disponibilizado para isso. É a necessidade e a oportunidade de investir em negócios que vão nos ajudar a atravessar a crise e a chegar no ‘novo normal’ que será a vida pós-pandemia”, afirma Gilberto.
Colaboração: Juliana Rodrigues