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Os negócios de impacto e uma recuperação econômica verde para o Brasil
Especialistas explicam como o investimento em empresas com soluções para problemas ambientais podem ajudar o país a superar a crise econômica imposta pela Covid-19, assim como combater desigualdades.
No debate sobre a fase de recuperação pós-pandemia, tem ganhado notoriedade o termo ‘recuperação verde’, usado para designar aportes e investimentos voltados à diminuição da emissão de gases poluentes e que incentivem o uso da energia renovável e o não-desmatamento. Segundo o relatório O Emprego em um futuro de zero emissões líquidas na América Latina e Caribe, elaborado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), a transição para uma economia de zero emissões de carbono poderia criar 15 milhões de novos empregos líquidos na região até 2030. O modelo de recuperação sustentável pós-pandemia inclui trabalho decente nos setores de agricultura, produção de alimentos de origem vegetal, energias renováveis, silvicultura, construção e manufatura, e constrói um futuro mais inclusivo.
Para o Brasil, a perspectiva de seguir esses passos, defendida por diversas lideranças empresariais, investidores estrangeiros e ambientalistas, concilia o anseio pela redução de desigualdades sociais à preservação da Amazônia, maior bioma brasileiro. De acordo com dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Pesquisas Espaciais (INPE), 2020 tem sido um ano desafiador para a floresta: nos primeiros quatro meses, houve um aumento de 55% no desmatamento, se comparado ao mesmo período de 2019. Entre agosto de 2018 e julho de 2019, foram estimados 10.129 quilômetros quadrados de corte raso, com base na análise de 229 imagens da Amazônia Legal Brasileira (ALB), maior taxa registrada desde 2008, quando houve 12.911 km² desmatados da ALB. Em Roraima, por exemplo, houve crescimento de mais de 202% no desmatamento: de 195 km² em 2018 para 590 km² em 2019.
A exploração e derrubada da floresta não é vista com bons olhos mundo afora. O governo brasileiro tem sido amplamente criticado, inclusive pela mídia internacional, por diminuir fiscalizações e proteções ambientais na região. Em junho, grandes empresas europeias de investimento se mostraram dispostas a desinvestir no Brasil caso não sejam evidenciados progressos na preservação da Amazônia.
Ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central afirmaram, em carta pública intitulada ‘Convergência pelo Brasil’, divulgada em meados de julho, que a gestão da política econômica deve levar em consideração critérios como redução das emissões e resiliência aos impactos das mudanças climáticas.
Inúmeras organizações da sociedade civil têm somado recursos aos esforços de outras tantas para a conservação da floresta frente à insuficiência da ação do Estado. Nesse contexto, o ecossistema de impacto positivo também têm se perguntado acerca do papel dos investimentos e negócios de impacto para uma recuperação econômica verde.
Para Mariano Cenamo, cofundador do Instituto de Conservação e Desenvolvimento da Amazônia (Idesam) e coordenador executivo da Plataforma Parceiros pela Amazônia (PPA), programa de aceleração voltado a negócios amazônicos, a região ter no ecossistema de impacto um aliado é vital. Segundo o especialista, se, no passado, resultados importantes em conservação e redução do desmatamento foram obtidos majoritariamente com políticas de comando e controle e aumento da fiscalização, por exemplo, a situação atual tem mostrado que fatores como oscilação de orçamento e mudanças de orientação e prioridade de governos podem ocasionar a diminuição do controle da floresta e, consequentemente, a retomada acelerada do desmatamento.
Segundo Mariano, os negócios de impacto são importantes para provar que uma economia mais resiliente e sustentável é possível de ser alcançada. Ele alerta que é necessário, entretanto, envolver conhecimentos e saberes locais a partir da valorização de empreendedores da região. “Desenvolver um negócio que conserva a floresta demanda um grau de inovação e conhecimento empírico muito grande, que só é obtido trabalhando ‘na ponta’”, observa.
O especialista explica que a grande maioria dos negócios acelerados pela PPA têm como principal atributo a inovação social, ou seja, o desenvolvimento de um produto inovador que busca promover maior conexão entre a população brasileira e a biodiversidade da Amazônia. Entretanto, também entra nessa equação a inovação em tecnologias sociais, que permitem ao empreendedor pagar um preço ao produtor rural que o convença a conservar a floresta e não derrubá-la.
“Estabelecer arranjos de relacionamento e confiança e garantir uma parceria de longo prazo com o produtor rural ou com uma comunidade é uma missão bastante complexa. É um desafio enorme conseguir construir o negócio, gerar renda, conservar a floresta e ainda beneficiar comunidades, povos indígenas ou populações tradicionais. Conseguir juntar esses três fatores é uma missão enorme que está sendo conquistada por está disposto a atuar direto no terreno e suar a camisa.”
Métricas e indicadores de impacto
Para Mariano, ainda não é possível dizer que existe um ecossistema de impacto consolidado na Amazônia. Um dos pontos chave para que isso ocorra é a conexão entre os atores das cadeias produtivas.
“O ecossistema precisa conectar um empreendimento inovador focado em melhorar serviços de logística e distribuição com menos emissão de carbono – utilizando a navegação fluvial com rastreabilidade – com uma empresa que compra açaí de comunidades para transformá-lo em sorvete e vender em São Paulo”, exemplifica.
Unir dois ou mais lados para um negócio dar certo é um dos trabalhos da PPA, que utiliza um conjunto de indicadores e métricas para medir o impacto dos negócios acelerados que está intrinsecamente conectado à missão da PPA de apoiar a construção de soluções inovadoras para o desenvolvimento sustentável, conservação da biodiversidade, florestas e dos recursos naturais da Amazônia. “A maioria dos negócios que se inscrevem nas nossas chamadas ainda não têm sua tese de impacto. Então, durante as entrevistas de análise, fazemos um processo conjunto para identificar seu potencial de impacto. Depois que entram no programa, analisamos a parte financeira, fazemos um business model canvas tradicional, mas construímos também a teoria de mudança junto com eles. Por isso, a proposta de valor do negócio passa a ter um componente muito forte de impacto socioambiental e é em cima disso que monitoramos os negócios ano a ano.”, explica Mariano.
Segundo ele, usualmente acompanham: mensuração de floresta nativa que o negócio irá conservar e da área degradada que pretende reflorestar, redução em emissões de carbono, número de comunidades beneficiadas, número de comunidades fornecedoras de produtos (se houver), volume de produção, geração de renda, entre outras métricas sobre funcionamento, gestão e desempenho financeiro do negócio.
Investimento social privado pode conectar impacto à causa
O investimento social privado (ISP) cada vez mais amplia sua presença na agenda de negócios de impacto. O Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE), por exemplo, conta com uma rede temática exclusivamente dedicada ao tema, ao passo que muitas organizações do ISP estão buscando maior alinhamento a esse tipo de investimento.
Uma dessas instituições é a Fundação Grupo Boticário. Com a missão de proteger a vida conservando a natureza, a Fundação foi uma das 22 organizações pioneiras do Fundações e Institutos de Impacto, o FIIMP.. O grupo foi constituído em 2016 para aprender, experimentar e investir de forma conjunta em negócios de impacto socioambiental.
Fernando Campos, analista de negócios e biodiversidade da Fundação, explica que a instituição optou por participar do grupo para entender o potencial do investimento e do empreendedorismo de impacto como uma estratégia complementar aos esforços tradicionais em conservação da biodiversidade. “Integrar um grupo com diversas outras fundações e institutos que se perguntavam a mesma coisa que nós e aprender em conjunto e na prática foram fatores que pesaram em nossa decisão”, afirma.
Para ele, incluir no processo de conservação da biodiversidade uma ótica de investimento de impacto fez diferença por ter ampliado o olhar da Fundação para um grupo de atores que, muitas vezes, eram distantes ou até mesmo vistos como incompatíveis com o objetivo da organização, além de ampliar o leque de alternativas para o relacionamento com atores locais.
Outro desdobramento dessa experiência para a Fundação foi a adoção em 2018 de uma estratégia para atuar com investimento e negócios de conservação da biodiversidade. “Na Fundação, investimento de impacto é entendido como meio e não fim. É uma estratégia complementar às demais para o alcance das metas institucionais”, reforça.
Fernando cita estudos e relatórios para afirmar que a perda de biodiversidade não é apenas uma questão ambiental, mas também econômica, de desenvolvimento e de segurança social. “O relatório de 2019 do Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services (IPBES) destaca que a perda de biodiversidade e o comprometimento dos ecossistemas dificultarão o cumprimento de 80% das metas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), sobretudo aquelas relacionadas a pobreza, fome, saúde, água, cidades, clima, oceanos e a terra.”
Considerando a quantidade e a complexidade dos desafios ambientais postos ao planeta, a conservação e restauração da biodiversidade representa também a possibilidade de desenvolvimento social e econômico. “Cerca de 40% da cobertura vegetal do Brasil está nos municípios onde vive 13% da população mais vulnerável e marginalizada, segundo levantamento realizado em 2019 pela Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES). Embora exista um risco para a manutenção desses remanescentes, há também uma grande oportunidade para desenvolver e implementar modelos de negócios que conciliem prosperidade socioeconômica com a conservação de recursos naturais”, exemplifica o analista.
Para informar e qualificar a criação de valor ambiental entre investidores e outros atores do ecossistema de impacto, a Fundação Grupo Boticário produziu o documento Investimento de Impacto em Conservação da Biodiversidade, que retrata a potência da natureza – como o fato de animais polinizadores serem responsáveis por R$ 2,4 trilhões movimentados pela agricultura anualmente – e advoga pela contribuição dos investimentos de impacto na conservação da biodiversidade.