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Série Impacto & Diversidade: Desafios, tendências e oportunidades para maior entrada de mulheres no ecossistema
Entraves passam por barreiras estruturais e estereótipos; intersecções entre gênero, raça e renda; atração e retenção em programas de apoio; e acesso a investidores.
Embora as mulheres, na América Latina, sejam bastante empreendedoras – em geral, por necessidade -, 73% delas não recebem os serviços financeiros de que necessitam. As pequenas e médias empresas em crescimento (Small and Growing Businesses – SGBs) lideradas por mulheres na região representam uma oportunidade não explorada de US$ 93 bilhões.
Existe uma lacuna significativa no financiamento a mulheres empreendedoras, estimada pelo International Finance Corporation (IFC) em US$ 320 bilhões no setor formal de SGBs nos países em desenvolvimento. 46% das mulheres empreendedoras encontram barreiras ao seu gênero.
A resposta a esse desafio exige diferentes tipos de investidores, que ofereçam diversos produtos baseados em uma gama de motivos, objetivos e estratégias de risco e de retorno.
Os dados e a conclusão estão no estudo Aplicando uma Lente de Gênero no Apoio ao Empreendedorismo: Insights do Brasil, desenvolvido pela Aspen Network of Development Entrepreneurs (ANDE) em parceria com o Institute of Development Studies (IDS) e apoio do British Council.
Com base na convicção de que as SGBs podem gerar empregos, estimular o crescimento econômico no longo prazo e produzir benefícios ambientais e sociais, a pesquisa compartilha lições e inovações do ecossistema brasileiro sobre como trazer a lente de gênero para apoiar as SGBs brasileiras.
Barreiras e desafios
“Reconhecer vieses inconscientes dos investidores e equipes de programas de aceleração, presentes tanto em homens quanto em mulheres; considerar a interseccionalidade com outras questões de diversidade, como raça, renda, orientação sexual, entre outras; eliminar barreiras no acesso a capital; e adaptar os programas de apoio, como mentoria, aceleração e formação de networking, de modo que as mulheres consigam permanecer e não deixá-los no meio do caminho ou ainda nem se inscreverem são alguns dos caminhos a serem percorridos”, explica Cecilia Zanotti, gerente do escritório regional da ANDE no Brasil.
A especialista observa que nos Estados Unidos, no mercado de venture capital, por exemplo, apesar de empresas lideradas por mulheres representarem 40% das organizações privadas em 2019, elas recebiam apenas 2% dos investimentos. Considerando mulheres não brancas, esse número cai para menos de 0,5%.
“Se os investidores continuarem a fazer seus processos de escolha do mesmo jeito que sempre fizeram, o recurso continuará indo de maneira absurdamente desproporcional para homens.”
Pandemia aprofundou desigualdades
Cecilia lembra que a crise do coronavírus impactou ainda mais a entrada e manutenção de mulheres empreendedoras e líderes de negócios de impacto no setor.
“O aumento do trabalho não remunerado de cuidado, que diminui o tempo de dedicação ao próprio negócio; os efeitos severos sobre os setores em que mulheres empreendedoras atuam, como educação, turismo e beleza; além das desigualdades no acesso a internet, tecnologia ou rede de apoio técnico ou emocional pensando na migração do trabalho para o ambiente online são alguns dos entraves que tornaram a vida das mulheres ainda mais difíceis com a chegada da pandemia.”
Oportunidades
A gerente destaca o papel de investidores, aceleradoras e outras organizações intermediárias na direção de ampliar o apoio à promoção da diversidade de gênero no ecossistema de impacto e empreendedorismo.
“Esses atores podem contribuir realizando treinamentos de vieses inconscientes, buscando as consultorias de diversidade para formar a alta liderança e adaptar seus processos e critérios de análise e seleção de portfólio e aplicando lentes de gênero e raça, principalmente. Além disso, podem rever suas políticas internas de Recursos Humanos e compras, utilizando também novos critérios, bem como suas estratégias de comunicação, se estão ou não voltadas a mulheres e mulheres negras, por exemplo.”
Em parceria com o MIT D-Lab, programa global do Massachusetts Institute of Technology (MIT), a ANDE disponibilizou uma ferramenta por meio da qual organizações dinamizadoras ou intermediárias que apoiam empreendedores podem descobrir em qual degrau da Escada de Gênero estão.
“É possível conhecer as características de um programa de aceleração que é cego em relação a gênero e como ele pode se transformar em um programa não apenas sensível para a equidade de gênero, mas que adota uma postura transformadora para gênero”, observa Cecilia.
Tendências
A especialista aponta perspectivas e projeções para 2021 quando o assunto é diversidade. A primeira delas diz respeito à representatividade dentro dos times.
“Se queremos promover mudanças para fora, precisamos ter, dentro das equipes das dinamizadoras e investidores, as mulheres, as mulheres negras ou indígenas, as mulheres trans, as mulheres com deficiência”, ressalta.
Uma segunda tendência apontada pela gerente é o surgimento de dinamizadoras e fundos especificamente voltados a mulheres ou com critérios claros para aumentar o número de empresas lideradas por mulheres em seus portfolios.
“Essas iniciativas já começaram a surgir no Brasil, a exemplo de We Impact, We Ventures e Maya Capital, além de outras organizações que já existiam e passaram pela transformação de suas políticas internas, como a NESsT também aqui no Brasil ou a Teja Ventures na China, por exemplo.”
Apoiar o acesso de mulheres a mercados é outra importante tendência que ainda não acontece de forma robusta no Brasil, como observa a especialista. “O Laboratório para Ação em Igualdade de Gênero da ANDE abordará diretamente esse desafio e testará soluções até o final do ano.”
Em relação às projeções, Cecilia reforça a importância de dar luz à questão racial. “Aparentemente advogar pela representatividade das mulheres já está na mídia e na consciência dos líderes. Se olharmos o que vem sendo publicado no Dia Internacional da Mulher nos últimos anos, vemos uma boa evolução. Agora, o importante é fazer acontecer internamente nas empresas e organizações e não esquecer que mulheres negras, mulheres trans, mulheres com deficiência estão ainda mais subrepresentadas no setor de impacto”, observa.
Diversidade faz bem aos negócios
Para Maite Schneider, embaixadora e influenciadora da Rede Mulher Empreendedora, cofundadora e CEO do Transempregos, uma das madrinhas do Empoderatrans e coordenadora do Somos Diversidade, é necessário construir uma cultura organizacional inclusiva, além de criar ambientes preocupados com a segurança psicológica e o conforto das pessoas.
Ela menciona um mapeamento inédito que será realizado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) em parceria com o Somos Diversidade com o objetivo de ampliar a inserção de grupos que tradicionalmente enfrentam exclusão e preconceitos diversos no mundo do trabalho: pessoas com deficiência, imigrantes, refugiados, negros e negras, LGBTI (especialmente pessoas transexuais), pessoas com mais de 50 anos e em situação de cerceamento de liberdade.
O projeto Diversidade Aprendiz: aprendizados para um futuro inclusivo será realizado em conjunto com empresas de diversos portes e setores para identificar dificuldades, barreiras de entrada, oportunidades e demandas necessárias para a promoção da plural diversidade e inclusão nos processos seletivos de contratações e nas políticas internas de permanência e ascensão no local de trabalho.
“Um estudo da McKinsey mostra que empresas com maior diversidade étnica e de gênero em suas equipes executivas são mais propensas a rentabilidades acima da média. No entanto, muitas vezes, essas pessoas não conseguem passar nem da primeira etapa do processo seletivo de grandes empresas que são extremamente ofensivos, desrespeitosos e nada inclusivos. Então, a empresa tem que entender que pode ter uma atitude de impacto favorecendo tanto a inclusão de excluídas, quanto o empreendedorismo realizado por essas pessoas, por exemplo, incluindo-as entre seus fornecedores.”
A ativista observa que apesar dos efeitos negativos, a pandemia abriu uma janela de oportunidade para o setor do empreendedorismo quando criou uma oferta maior que pode ser respondida com uma demanda de impacto.
“Vimos um aumento no número de pessoas buscando empreender justamente em razão das demissões em massa, em geral, dessas pessoas historicamente excluídas. E isso abre uma oportunidade de desenvolver capacidades, resiliência, inteligência emocional. No Empoderatrans, nós fizemos uma parceria com o SEBRAE para capacitar esses empreendedores e empreendedoras trans. E essa é uma oportunidade também para as empresas porque é uma tendência o mundo se voltar cada vez mais para as questões de diversidade, inclusão e também para sustentabilidade no sentido macro, não só ambiental ou econômica, mas também cultural.”