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Dinamizadores de impacto: diferentes atores, papéis diversos e muitos desafios
Assim como os empreendedores, as organizações dinamizadores do ecossistema de impacto precisam de apoio em muitas dimensões. Os desafios são vários, mas também são muitas as oportunidades de catalisar a transformação socioambiental que queremos e precisamos por meio desses atores.
O 3º Mapa de Negócios de Impacto Socioambiental aponta avanços importantes do ecossistema rumo a um pipeline mais maduro e robusto de negócios. De 2017 para cá, o volume de empreendimentos mapeados pela pesquisa passou de 579 para 1.272.
Apesar de uma parte importante dessa base ainda não ser sustentável financeiramente, o levantamento revela que há mais soluções que deixaram a fase de ideação rumo ao modelo financeiramente sustentável. Ao longo das três edições do mapeamento, destacam-se um movimento de descentralização da região Sudeste para as demais e também das capitais para o interior, com zonas rurais registrando índices interessantes de negócios.
Para além de celebrar essa tendência, é necessário falar das organizações que apoiam os empreendedores e investidores de impacto. Analisar as novas recomendações lançadas pela Aliança pelo Impacto para o período 2021-2025 é ter a certeza sobre a importância desse conjunto específico de atores, apresentados agora como dinamizadoras de impacto.
A recomendação 1 propõe a união de esforços de organizações públicas e privadas em torno do compromisso de desenvolver o ecossistema criando também ações de apoio àqueles que estruturam o próprio campo. Em outras palavras, trata-se de apoiar aqueles que apoiam empreendedores e investidores.
A mudança da nomenclatura de organizações intermediárias para dinamizadoras propõe um avanço não apenas na compreensão da importância desses atores, mas em seus papéis e atuação.
Dinamizadores são atores/organizações que apoiam de forma diversa a jornada de empreendedores e investidores que atuam com impacto socioambiental. Eles oferecem a infraestrutura de redes, plataformas de formação e conexão, conteúdos de referência, ações de reconhecimento e criam condições para a replicação de boas práticas. Fonte: Aliança pelo Impacto.
Fernanda Bombardi, gerente executiva do ICE, explica que, antes, a abordagem focava no papel que essas organizações têm para que o capital flua dos investidores para os empreendedores.
“Ao longo dos anos, fomos percebendo que, para esse ecossistema ser vibrante e ter uma infraestrutura adequada, garantindo que o empreendedor tenha o suporte que precisa para empreender com propósito, a principal função das organizações intermediárias era, na verdade, dinamizar o ecossistema. Não conseguiremos ter bons empreendedores ou investidores se não tivermos bons dinamizadores”, explica.
Para a gerente, dedicar atenção às organizações dinamizadoras é fundamental, uma vez que, ao longo da construção do ecossistema, esse olhar mais cuidadoso foi direcionado majoritariamente para empreendedores e investidores. Por isso, há perguntas que o ICE e outras organizações estão empenhadas em responder como:
– Que desafios essas organizações têm no seu dia a dia operacional?
– Que tipo de suporte necessitam para promover o avanço do campo?
– Como o ecossistema pode prestar um serviço adequado para que essas organizações atuem da melhor forma?
Por dentro do ecossistema: quem são os dinamizadores
O ecossistema de impacto, em linhas gerais, conta com três tipos de atores: os negócios de impacto socioambiental, as organizações dinamizadoras e os investidores. À medida em que se desenvolve, agrega novos atores e segmentos, com diferentes atribuições e papéis e novos fluxos e dinâmicas de investimentos.
As principais atribuições dos dinamizadores
As organizações dinamizadoras têm papéis, atribuições e especialidades distintas, e atuam em quatro frentes:
1. Suporte ao empreendedor: caminham lado a lado com os negócios, oferecendo apoio técnico e/ou financeiro aos empreendedores. Ex.: incubadoras, aceleradoras, fundos de investimentos.
2. Produção de conhecimento: especializadas em desenvolver pesquisas, coletas de dados e mapeamentos sobre o campo, disseminam conceitos e recomendações para formar, engajar e articular mais empreendedores e investidores. Nessa categoria enquadram-se: instituições de ensino superior (IES), consultorias e organizações da sociedade civil (OSCs) focadas em fortalecer a agenda de investimentos e negócios de impacto.
3. Produtos financeiros: responsáveis pela criação, estruturação, distribuição e gerenciamento de produtos financeiros de impacto, que permitam alocação de capital para negócios de impacto, como plataformas de crowd, empréstimos e produtos de blended finance.
4. Macroambiente: têm como objetivo a criação de um macroambiente normativo e cultural favorável ao investimento de impacto no Brasil e, portanto, à atuação de empreendedores e investidores de impacto. Entidades públicas, que criam políticas públicas direcionadas a investimentos e negócios de impacto, enquadram-se nessa categoria.
“As organizações dinamizadoras de suporte aos empreendedores apoiam os empreendimentos desde a ideia até a concretização do modelo de negócio, acompanhando todo o desenvolvimento até a maturidade. Isso pode levar de um a três anos, a depender do tipo de negócio e do setor. Se falarmos particularmente das incubadoras e aceleradoras, elas auxiliam os empreendimentos a sair do papel e se tornar empresas competitivas e consolidadas no mercado.” Sheila Pires, subsecretária de Ciência, Tecnologia e Inovação de Goiás
O que buscam os empreendedores
O 3º Mapa de Negócios de Impacto Socioambiental, iniciativa da Pipe.Social, analisou 1.272 negócios e mostra que 51% deles já buscou ou estão buscando ser acelerados/incubados, mas sem sucesso. Entre os quatro principais tipos de apoio solicitados aparecem: suporte financeiro (44%), mentoria (24%), auxílio na comunicação (21%) e parcerias e networking (19%).
Outros levantamentos apontam possíveis razões pelas quais os empreendedores estão com dificuldades em conseguir apoio. A terceira edição do Guia 2.5, um mapeamento de iniciativas que desenvolvem e investem em negócios de impacto no Brasil desenvolvido pelo Quintessa, com apoio do ICE e outros parceiros, avalia que, quanto mais inicial é o negócio, menos oportunidades de apoio ele encontrará.
“Nos estágios em que o empreendedor mais precisa de ajuda, seja técnica ou financeira, que são os estágios iniciais, existem poucas organizações de fato prestando esse apoio ou com apetite e vocação para fazê-lo. Esse é um gargalo do campo, pois há um desalinhamento entre o que o empreendedor precisa e o que está sendo ofertado, o que se comprova pelo número de empreendedores da base da Pipe.Social que estão buscando aceleração e incubação e não estão conseguindo.” Fernanda Bombardi, gerente executiva do ICE
Apoio para quem apoia
Assim como os próprios negócios e empreendedores apoiados, as organizações dinamizadoras também precisam de auxílio, orientação e financiamento para iniciar, aprimorar e dar continuidade à sua atuação. Fernanda comenta que, por trabalhar pelo desenvolvimento do ecossistema e por ter percebido o papel estratégico desses atores, o ICE, assim como outros institutos, fundações e entidades de capital filantrópico, tem ampliado seus esforços para apoiar os dinamizadores.
Apesar disso, ainda são poucos os atores com esse tipo de visão em suas agendas e planejamentos. Para a gerente, o desafio é complexo e envolve um debate sobre de quem é o papel de auxiliar as organizações de apoio a empreendimentos de impacto, considerando que investidores e fundos de investimento não têm percebido essa atribuição como sendo sua.
A responsabilidade tem sido assumida por atores que operam recursos filantrópicos, como as já citadas fundações e institutos, e também o setor público. As políticas públicas no nível federal, por exemplo, tiveram um papel no histórico de criação de incubadoras enquanto estratégia de fortalecimento de ecossistemas empreendedores em geral, bem como de parques tecnológicos para fomentar ciência e tecnologia no Brasil.
Do que precisam as dinamizadoras
Se a maioria dos negócios está buscando oportunidades de financiamento, esse também é um tema caro às organizações de apoio aos empreendimentos de impacto (OEIs). E o assunto não é recorrente apenas no Brasil. De acordo com um estudo publicado pela EVPA & Maze no início de 2020, mais de 50% dos gestores de incubadoras e aceleradoras na Europa apontam dificuldade em desenvolver um modelo de financiamento sustentável e encontrar os recursos necessários no médio e longo prazo.
Além de debater o tema, o estudo Um Olhar para a Sustentabilidade Financeira das Organizações de Apoio a Empreendimentos de Impacto, organizado pelo ICE, aponta algumas razões pelas quais as dinamizadoras ainda são, em muitos casos, conectadas e dependentes do Estado para sua sustentabilidade financeira.
“Assim como a educação e a saúde pública, a incubação cria economias externas, cujo valor econômico nem sempre se reflete nos retornos para uma empresa privada. Portanto, historicamente, foram concebidas como uma atividade complementar à função do Estado e, como tal, administradas como entidades sem fins lucrativos (Lalkaka, 2006). Por essa razão, não deve surpreender que as incubadoras de empresas, via de regra, confiem no apoio do setor público ou filantrópico para seus custos de operação, seja por tempo limitado ou a longo prazo.” Fonte: Um Olhar para a Sustentabilidade Financeira das Organizações de Apoio a Empreendimentos de Impacto.
Para Sheila Pires, subsecretária de Ciência, Tecnologia e Inovação de Goiás, um dos caminhos possíveis para diminuir essa dependência dos subsídios públicos é uma aproximação do campo com o setor privado por meio de parcerias com institutos, fundações e empresas para que a dinamizadora em questão possa obter novas fontes de receitas.
Outra possibilidade é que a OEI possa cobrar um valor inicialmente pequeno e simbólico dos empreendimentos que apoia. “De certa forma, essa via é educativa porque, já que estão lidando com empresas e com o mercado, é importante que esses empreendedores aprendam o valor daquilo que estão recebendo”, explica a subsecretária. Esse é, inclusive, um dos caminhos que mais contribuiu para a renda das organizações de apoio a empreendimentos de impacto, de acordo com o estudo do ICE.
Outra via possível é a da participação acionária, isto é, que as organizações dinamizadoras possam ter uma parcela, mesmo que pequena, dos negócios que apoiam. No médio e longo prazo, essa opção pode constituir uma fonte de renda extra, o que pode vir a ser uma receita importante para a organização. “Imagine o caso de uma organização que apoia uma empresa que, no futuro, vire um unicórnio [empresas avaliadas em mais de U$ 1 bilhão]. Se a dinamizadora tiver alguns décimos de participação nos negócios desse empreendimento, o que isso pode significar para sua receita anual?”, observa Sheila.
Apesar de imprescindível, vale pontuar que o apoio necessário não é única e exclusivamente o financeiro. 80% das organizações pesquisadas pelo mesmo estudo afirmaram ter recebido algum tipo de apoio não financeiro, como materiais de escritório, consultorias externas, auxílio para viagens e participação em eventos, mentorias, serviços de contabilidade gratuitos ou subsidiados e cessão de espaços para instalação de equipamentos ou realização de suas atividades.
Ponto de vista do empreendedor: o caso Gove
O ICE conversou com Rodolfo Fiori, co-fundador da Gove, GovTech que trabalha para aumentar a eficiência de finanças públicas, sobre a relação do negócio com as organizações dinamizadoras.
Criada em 2016, a organização passou por diferentes tipos de mentorias e acompanhamentos e recebeu apoios diversos ao longo de sua jornada. Rodolfo aponta alguns aspectos que se destacaram e fizeram diferença para a Gove:
– a inserção em uma rede de outros empreendedores, com quem pôde trocar ideias sobre temas e problemas comuns ao mundo do empreendedorismo de impacto;
– a potência de uma rede de parceiros, clientes e doadores;
– as chances oportunizadas pelo recebimento de recursos financeiros.
Uma dessas oportunidades foi a seleção da Gove pela parceria entre o ICE e o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), que concedeu R$ 3 milhões em empréstimos para 16 negócios de impacto entre 2017 e 2018.
“Apoio para desenvolvimento e aporte financeiro são duas vertentes importantes. No caso da Gove, o apoio da parceria ICE-BID, por exemplo, fez toda diferença para conseguirmos focar em melhorias na tecnologia, o que, no nosso caso, era fundamental para avançarmos. É caro desenvolver tecnologia no Brasil”, comenta o empreendedor.
Rodolfo comenta que, no entanto, a equipe da Gove sentiu falta de apoio em determinadas etapas do desenvolvimento do negócio, como no estudo de mercado e compreensão sobre a real necessidade da solução.
“Havia um problema que gostaríamos de resolver. Entretanto, não sabíamos se essa era realmente uma ‘dor’ do usuário, quão grande era essa dor e se a nossa solução resolveria essa questão. Esse processo de product/market fit [medida utilizada para verificar se e em que grau um produto ou serviço satisfaz uma demanda do mercado], de entender se existe de fato um problema para o qual as pessoas estão dispostas a pagar por uma solução, é um ponto pouco explorado no ecossistema. Sentimos falta desse apoio na Gove quando estávamos nessa etapa.” Rodolfo Fiori, co-fundador da Gove
Ele acredita que mais investimentos nas dinamizadoras significam que elas conseguirão ajudar mais empreendedores de impacto, que, por sua vez, abrem novas possibilidades de inovação e formas de gerar impacto socioambiental positivo. Envolver mais institutos, fundações e empresas no setor é, segundo o empreendedor, uma forma de diversificar o próprio investimento social privado.
“Com 100 mil reais, a Gove pode melhorar a eficiência de um poder público na ordem de milhões de reais. Então, se uma organização do ISP [investimento social privado] investe em uma organização que dinamiza a Gove e a ajuda a existir bem, pode fazer com que melhoremos a eficiência do setor público em uma escala muito maior, o que acaba gerando ainda mais impacto positivo.”